
Os afastamentos de trabalhadores por doenças mentais aumentaram mais de 200% na Bahia entre 2014 e 2024, segundo dados do SmartLab BR, plataforma do Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério da Saúde e Ministério do Trabalho e Emprego. A concessão de benefícios previdenciários passou de 5.020 registros em 2014 para 15.189 em 2024, o maior número da série histórica.
Entre os anos que registraram picos estão 2020, marcado pela pandemia de covid-19, com 8.443 afastamentos, e 2023, com 8.898 casos. A procuradora do trabalho Carolina Novais avalia que a pandemia, somada ao crescimento do teletrabalho e ao uso intensivo de tecnologia, contribuiu para a escalada dos afastamentos.
“Foi um aumento bem expressivo, principalmente de 2022 a 2024, quando o fim da pandemia coincidiu com novas formas de organização laboral. Plataformização, metas e teletrabalho trouxeram benefícios, mas também geraram adoecimento”, disse ao Jornal Correio.
Principais causas e setores afetados
De acordo com o levantamento, transtornos de ansiedade representam 33,2% dos afastamentos acidentários, seguidos por reações ao estresse grave e transtornos de adaptação (27,9%) e episódios depressivos (20,1%). Os bancários lideram entre os mais afetados: em 2024, 26% dos casos foram em bancos múltiplos, além de registros em bancos comerciais (3,2%) e caixas econômicas (3%).
A psiquiatra Simone Paes, do Idomed, explica que metas cada vez mais elevadas têm elevado os níveis de sofrimento.
“Exigências sempre existiram, mas a forma agora tem gerado sofrimento maior. Bancos, por exemplo, impõem metas exacerbadas, muitas vezes com produtos que o cliente nem quer”, afirma.
O presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, Augusto Vasconcelos, reforça que a pressão aumenta diante da redução de postos e do avanço tecnológico.
“Com as novas tecnologias, paira sempre a ameaça de substituição por máquinas e algoritmos. Isso gera apreensão e pode abrir brechas para adoecimento psíquico.”
Além do setor financeiro, os trabalhadores da administração pública (14,1%) e da área hospitalar (10,1%) também aparecem entre os mais atingidos no período analisado.
Impacto social e mudanças recentes
Segundo especialistas, fatores como solidão crescente, redes sociais, instabilidade econômica e violência também contribuem para o aumento dos transtornos. A médica do trabalho Ana Paula Teixeira acrescenta que o sistema Atestmed, criado pelo Ministério da Previdência Social, facilitou o acesso aos benefícios, permitindo o envio remoto de atestados médicos.
O psiquiatra Lucas Alves, da Escola Bahiana de Medicina, destaca que a pandemia também reduziu o estigma em torno da busca por apoio psicológico.
“As pessoas têm procurado mais auxílio de profissionais de saúde mental. A pandemia desmistificou muito isso”, avalia.
Entre 2020 e 2025, o MPT instaurou 50 inquéritos civis e nove ações judiciais relacionadas à saúde mental no trabalho. Uma das normas em debate é a NR-1, que obrigará empresas a adotar medidas preventivas de saúde mental a partir de 2026. Para a procuradora Carolina Novais, ambientes de assédio moral são propícios ao adoecimento.
“O teletrabalho, se não for bem conduzido, pode se somar a fatores de risco como falta de ergonomia e extrapolação de jornada, afetando a saúde mental”, afirma.
Tratamento e prevenção
Especialistas ressaltam que a identificação precoce durante exames ocupacionais pode reduzir o agravamento dos quadros. Em casos mais graves, o uso de medicação é indicado, enquanto psicoterapia e mudanças de hábitos são recomendadas em outros.
“É importante que a empresa reveja seus estressores e riscos ocupacionais. No retorno após afastamento, deve haver acolhimento e respeito ao trabalhador”, orienta Ana Paula Teixeira.